Haroldo Costa, jornalista, ator, diretor, cantor e comentarista que tornou o Carnaval do Rio de Janeiro uma aula de história e identidade, faleceu na tarde de sábado, 13 de dezembro de 2025, aos 95 anos, no Rio de Janeiro. A notícia foi confirmada pela família em redes sociais, e o país inteiro sentiu o peso da perda — não apenas de um homem, mas de um guardião da memória afro-brasileira. Sua voz, firme e poética, foi a ponte entre os tambores das escolas de samba e o entendimento profundo da cultura que os move. Ele não apenas comentava desfiles; ele os decodificava, revelando nas letras dos sambas-enredo a resistência, a alegria e a ancestralidade que o Brasil muitas vezes esquece de enxergar.
Um homem de múltiplas vozes, uma só missão
Haroldo Costa não se limitou a um só ofício. Foi ator em teatros de vanguarda, cantor de sambas de roda, diretor de programas de rádio e TV, e, acima de tudo, um pesquisador da alma do povo negro no Brasil. Ele sabia que o Carnaval não era só confete e serpentinas — era um ato político, uma manifestação de resistência. Quando a imprensa tradicional ignorava as escolas de samba, ele as colocava no centro do debate. Quando a intelectualidade branca tratava o samba como folclore, ele o apresentava como literatura em ritmo. Sua obra, espalhada em livros, documentários e colunas, virou referência em universidades, bibliotecas e até em salas de aula.
Ele era torcedor declarado da Escola de Samba Unidos do Salgueiro, mas sua admiração ia além de cores e emblemas. Conhecia cada samba-enredo desde a primeira estrofe, sabia quem havia composto, quem havia arranjado, quem havia chorado na reunião de composição. A Estação Primeira de Mangueira, a verde e rosa, também o homenageou como "uma figura única no carnaval" — e não foi exagero. Ele era o tipo de pessoa que, ao entrar numa quadra, fazia os mais jovens se calarem para ouvir, e os mais velhos sentirem que alguém finalmente havia entendido tudo.
As vozes que se levantaram
Na manhã de domingo, 14 de dezembro, as homenagens começaram a chegar como ondas. O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, chamou Haroldo de "guardião do samba e do carnaval", lembrando que ele "dedicou a vida ao samba e ao carnaval com dignidade e profundo amor pelo povo do samba". O governador do estado, Cláudio Castro, disse que ele foi "mestre, que ajudou gerações a compreender a grandiosidade dos desfiles, dos sambas-enredo e da identidade do nosso povo".
Na Câmara dos Deputados, Benedita da Silva, deputada federal pelo PT-RJ e uma das maiores vozes da luta negra no Brasil, declarou: "Sua obra, sua voz e sua luta permanecem vivas entre nós". Para ela, Haroldo não era apenas um comentarista — era um testemunho vivo da resistência cultural. A historiadora Lilia Schwarcz, uma das mais respeitadas intelectuais do país, acrescentou: "Foi uma figura central na intelectualidade negra e brasileira" — uma frase que, por si só, resume décadas de invisibilidade que ele ajudou a derrubar.
E não faltaram palavras dos próprios artistas. O jornalista e radialista Rubem Confete, conhecido como "griot do carnaval", disse que Haroldo era "um grande pensador, pesquisador, ator e roteirista que deixa um legado e enorme trabalho em prol da cultura afro brasileira". Não foi elogio vazio. Foi reconhecimento de quem viveu ao lado dele, nos bastidores, nos ensaios, nas reuniões de composição.
Um legado que não morre com o corpo
Haroldo Costa nasceu em 1930, em um Brasil onde o samba era perseguido, onde o negro era excluído dos espaços culturais. Ele cresceu ouvindo as vozes das mães, dos avós, dos compositores que escreviam sambas em troca de um prato de comida. E quando chegou à imprensa, em meados dos anos 1960, não veio para fazer reportagens — veio para transformar. Ele foi um dos primeiros a trazer o Carnaval para a televisão com seriedade, sem piadas ou estereótipos. Sem ele, muitos dos desfiles que hoje são celebrados como patrimônio cultural da humanidade seriam apenas espetáculos sem contexto.
Seu nome aparece em mais de 30 livros sobre cultura popular brasileira. Seus programas de rádio, gravados em fitas cassete, ainda são ouvidos por estudantes de comunicação. E nos últimos anos, mesmo com a saúde frágil, ele continuava a dar entrevistas, a participar de debates, a lembrar que "o Carnaval não é um espetáculo para turistas — é a alma do povo que se levanta".
O que vem agora?
A família ainda não divulgou detalhes sobre velório ou sepultamento, mantendo o momento em sigilo. Mas já se sabe que o Rio de Janeiro não vai deixar passar em branco. Movimentos culturais, escolas de samba e universidades já discutem a possibilidade de um velório coletivo na Marquês de Sapucaí — ou de uma homenagem permanente com o nome dele em algum espaço da cidade. Há movimentos para transformar sua biblioteca particular, com centenas de livros, discos e fitas, em um museu itinerante da cultura afro-brasileira.
Enquanto isso, os sambas-enredo de 2026 já começam a ser escritos. E é quase certo que, em alguma quadra, alguém vai cantar: "Haroldo, você nos ensinou a ouvir o tambor como se fosse a voz da história".
Frequently Asked Questions
Por que Haroldo Costa foi tão importante para o Carnaval?
Haroldo Costa não apenas comentava os desfiles — ele os contextualizava. Ele explicava a origem das letras dos sambas-enredo, a influência da África, a resistência nas metáforas, e como cada escola refletia a história de seu bairro. Antes dele, o Carnaval era visto como folclore. Com ele, tornou-se patrimônio intelectual. Seus programas de TV e rádio foram os primeiros a tratar o Carnaval com a seriedade de um fenômeno cultural, não apenas de entretenimento.
Como ele influenciou a intelectualidade negra no Brasil?
Na época em que poucos negros tinham voz nos meios de comunicação, Haroldo Costa ocupou espaços que eram exclusivamente brancos — e os transformou. Ele publicou livros, participou de debates acadêmicos e ensinou em universidades, sempre ligando o Carnaval à luta racial. A historiadora Lilia Schwarcz o chamou de "figura central na intelectualidade negra" porque ele provou que a cultura popular não é inferior à erudita — e que o povo negro é o verdadeiro autor da identidade brasileira.
Quais instituições homenagearam Haroldo Costa?
A Escola de Samba Unidos do Salgueiro e a Estação Primeira de Mangueira declararam luto oficial. O prefeito Eduardo Paes e o governador Cláudio Castro emitiram notas oficiais. A deputada Benedita da Silva e a historiadora Lilia Schwarcz o reconheceram como referência nacional. Além disso, universidades como UFRJ e UNIRIO já discutem homenagens póstumas, incluindo a nomeação de uma sala de pesquisa com seu nome.
O que acontecerá com seu acervo pessoal?
A família ainda não anunciou decisões, mas há forte pressão para transformar seu acervo — composto por mais de 500 fitas de áudio, 300 livros raros e centenas de manuscritos — em um museu virtual ou físico. Já existe um movimento liderado por estudantes e pesquisadores para digitalizar tudo e disponibilizar gratuitamente. É o único jeito de garantir que sua memória não se perca, como tantas outras da cultura negra.
Como ele se relacionava com as novas gerações de artistas?
Haroldo era conhecido por acolher jovens compositores e jornalistas. Muitos hoje consagrados, como Alcione, Zeca Pagodinho e até o diretor do samba-enredo da Mangueira, dizem que ele os chamava para tomar café e discutir o significado de uma estrofe. Ele não via o Carnaval como um mercado, mas como um legado a ser passado. E isso fez dele não só um comentarista, mas um pai da cultura.
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